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LARARIUM SACRARIUM IMPERIUM ROMANUM

LARARIUM SACRARIUM IMPERIUM ROMANUM

10 d.C.

        Ennius acordou assustado. Já passava da meia-noite. Um estranho barulho vinha da direção da sala. Eram os tempos do Imperador Augusto, e ele sabia disso. Sabia também de suas obrigações como o pai da família, como o pater familias. Ainda mais naquele mês de maio em que deveria realizar a lemúria, ou seja, a cerimônia doméstica de purificação para a proteção de sua casa contra os espíritos antepassados, errantes e malfazejos. Lamentou, pois já havia passado o horário de fazer o ritual. Ele dormira mais do que o previsto. Estava confuso. Parecia bêbado...

               — Maldita!

              Ennius olhou para o lado. Quintilia, sua mulher, estava dormindo profundamente. Não era preciso acordá-la. Ele deveria fazer aquilo sozinho. O barulho na sala aumentava lentamente. Ennius levantou-se e saiu do seu quarto, indo descalço em direção ao grandioso e pomposo peristilo, o recinto a céu aberto rodeado por colunas. Do meio do jardim viu o cômodo onde dormiam seus filhos. Estava tudo bem por lá. Depois, viu o cômodo onde comiam as refeições. Tudo tranquilo por lá também. Por fim, olhou para a sala de estar e, assombrado, viu uma movimentação perto do teto, um tipo de sombra que voava por todo o recinto. Era uma entidade, um mau espírito dos antepassados que conseguira entrar em sua casa e agora sobrevoava o teto da sala.

          Ennius olhou pela janelinha de uma das paredes da casa e viu o átrio. Lá estava o majestoso larário (lararium) da casa, todo feito de madeira em forma de edícula. O santuário da casa sustentava, além das oferendas diárias, três pequenas estatuetas de divindades, uma imagem da Deusa Vesta, alguns incensos, uma estatueta de Vênus em terracota, diversas flores de cores sortidas e o Fogo Sagrado, que, por todas as desgraças, estava apagado.

                     — Maldita!

                Ennius estendeu as mãos para fora da janela e, em direção ao larário, pediu aos lares, penates e gênios, as divindades protetoras das casas, para protegê-lo e proteger sua família, pedindo ainda que eles espantassem o espírito que sobrevoava sua sala de estar. Prometeu não mais trair sua esposa com a galante e bonita prostituta Rosmerta, nem atrasar o pagamento de seus parcos ajudantes ou brigar tanto com seus escravos.

                    — Maldita!

               Ennius tremia de medo e angústia. Sabia que deveria realizar o ritual de forma precisa e correta. Andou vagarosamente até a porta de entrada da sala. Lá no meio da sala estava o espírito maligno do outro mundo. Ennius fechou os olhos quase que por completo. Nervoso, esqueceu quantas vezes deveria estalar os dedos para afastar o espectro que pudesse se aproximar; estalou umas 10 vezes; lavou suas mãos de forma precipitada mais de oito vezes com água da fonte; disse um mantra 15 vezes seguidas, mas parece que tinha que dizer menos; jogou na direção da entidade duas das três favas negras que precisava jogar (a outra tinha desaparecido); sacudiu um objeto de bronze, mas precisava lavar a mão antes e não o fez. Andou, cambaleou, mas, antes que pudesse acabar seu ritual, a entidade atacou. Ennius foi jogado no chão. Morreu. Seu rosto estava carregado de medo e pavor. A entidade foi embora da casa dando um prolongado uivo.

              Quintilia abriu os olhos. Entendeu o que tinha acontecido. Apenas sorriu. Um sorriso que misturava angústia e alívio, paz e agitação.

TEMPO HISTÓRICO: IDADE ANTIGA

ESPAÇO GEOGRÁFICO: ROMA 

DATA DE PUBLICAÇÃO: 22/01/2024

AUTOR: FABIO GOMES 

REVISÃO:  CIAENTRELINHAS

ILUSTRAÇÃO: www.fantastorica.com / www.canva.com / OpenClipart-Vectors

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