No alto, somente a lua, meio branca e meio cinza. O silêncio dentro do abrigo era fustigado pelo som das labaredas misturado a bocejos preguiçosos, roncos estridentes e reclamações ranzinzas. Na entrada do local, no topo de uma montanha, dois homens observavam a imensidão abrumada do mundo ao redor.
Um uivo acordou a todos. De repente, a sombra na fogueira se tornou assustadora. Era a sombra de um louco, de Hoo-Kaniuum, um dos homens mais velhos e sábios daquele clã. Ele corria para todos os lados. Ele gritava como nunca, colocando suas mãos na cabeça e na parte da frente de seu ventre. Ninguém entendia nada. Seus irmãos tentavam acudi-lo, mas Hoo-Kaniuum, mais forte, desvencilhava-se deles de forma agressiva e selvagem. Pulava, corria. Arrancou a manta de peles que envolviam seu corpo enquanto dava voltas e uivava pelo abrigo. Hoo-Kaniuum babava, gritava, se debatia, e sua cabeça, aos olhos do grupo, crescia como nenhuma outra cabeça crescera até então. Imparável, Hoo-Kaniuum batia contra as paredes do abrigo, quebrava as cerâmicas, jogava utensílios de caça para o alto, sacolejava-se como uma besta feroz, derrubando a fogueira. O lugarejo ficou totalmente na penumbra. Crianças e mulheres esperneavam de medo. Os homens mais fortes tentavam conter a fúria de Hoo-Kaniuum, mas, novamente, não conseguiam. Era um verdadeiro caos. Por fim, Hoo-Kaniuum saiu do abrigo, correndo e gritando. Do alto do monte, seus amigos de clã o viram pela última vez movendo-se na escuridão das estepes.
Atordoados, os amigos de Hoo-Kaniuum tentaram procurá-lo. Buscaram-no noite adentro e no outro dia de manhã. Por vários outros sóis e outras luas, eles procuraram, mas nada encontraram. Nenhum cheiro, nenhuma pegada, nenhum vestígio, nenhum registro. Não havia nada. O homem havia desaparecido.
Esse estranho acontecimento perpetuou-se nas memórias de todos os membros daquele clã. A história foi recontada ao longo de várias gerações. Foi pintada em coloridas figuras nas cavernas e eternizada pela oralidade em uma comunicação ainda rudimentar. Depois, ressurgiu por meio de novas invenções, e nunca, naqueles diferentes tempos, alguém ousou explicar o misterioso destino de Hoo-Kaniuum.
TEMPO HISTÓRICO: PRÉ-HISTÓRIA
ESPAÇO GEOGRÁFICO: ÁFRICA
DATA DE PUBLICAÇÃO: 30/10/2022
AUTOR: FABIO GOMES
REVISÃO: CIAENTRELINHAS
ILUSTRAÇÃO: www.fantastorica.com / www.canva.com / @sketchifyedu / Magitira Paolo