AS PEGADAS DE MATUSALÉM

           Sem dúvida é um grande mistério. Ainda não temos as evidências que comprovam nossa hipótese, mas partimos de pressupostos materiais, ou seja, das provas e dos indícios que já temos. Esses registros fósseis estão muito bem-conservados e se mantêm, através da sua preservação tafonômica, como um excelente material de estudos. A partir disso, por exemplo, conseguimos saber que aquelas primeiras pegadas, pelo menos as mais novas, as do início do trajeto, são da espécie Homo sapiens. Além disso, sabemos que se trata de um homem de meia idade, talvez entre 30 e 50 anos. A partir do estudo da Geocronologia, da datação absoluta e do uso de técnicas de luminescência e carbono-14, já sabemos que esses fósseis, essas pegadas, são de pelo menos 50 mil anos atrás, período que chamamos de Paleolítico Superior. Ou seja, não são os mais antigos icnofósseis de pegada humana que temos, mas são, sem dúvida, os mais intrigantes.

 

              Essas pegadas surgem na região da África Oriental, entre Laetoli (Tanzânia) e Koobi Fora (Quênia), e, baseando-se nas conclusões da Estratigrafia e do contexto arqueológico, concluímos que fazem uma trilha, um tipo de percurso ininterrupto em direção ao Norte, passando pelas planícies do Quênia, depois pelas florestas montanhosas da Etiópia e pela Eritreia, seguindo sempre paralelamente ao Grande Vale do Rifte até chegar às margens do Mar Vermelho. Através de nossas análises biomecânicas, sabemos que esse hominídeo andou de forma bípede, provavelmente em uma velocidade média aproximada de 5 km/h e em uma caminhada total de 8 horas por dia, o que daria 40 km por dia.

 

           Calculando a distância do ponto inicial até o final do trajeto, temos um valor aproximado de 2.669,36 km. Lançando mão dos estudos da Sedimentologia, conseguimos comprovar que esse homem voltou ao lugar de origem, o que daria mais 2.669,36 km. No total, toda essa caminhada (ida e volta) chegou a incríveis 5.338,72 km. E essa peregrinação assustadora não para por aí: a grande questão é que, ao associarmos os estudos de Sedimentologia aos estudos de escaneamento e análise 3D e de Microscopia dos detalhes das camadas finas da superfície das pegadas, conseguimos descobrir que esse homem pré-histórico fez esse percurso mais de 1.630 vezes. Em uma multiplicação rápida, chegamos a um inacreditável valor aproximado de 8.702.113,00 km. Dessa forma, não tendo paradas prolongadas nem grandes obstáculos, o dono dessas pegadas andou por incríveis 217.627,84 dias ou 596 anos.

 

              Ou as nossas pesquisas em Arqueologia e Paleoantropologia estão totalmente erradas ou o nosso hominídeo viveu muito mais do que qualquer ser humano e por quase 600 anos. Por esse motivo, esses vestígios fósseis são chamados atualmente de As Pegadas de Matusalém. Indubitavelmente, há diferenças espaciais e de datação com relação ao famoso personagem bíblico que dizem ter vivido bem mais (969 anos) no chamado Antigo Oriente Próximo. Mas não deixa de ser curiosa essa aproximação, principalmente considerando o lado longevo da sua suposta vida. Entrementes, devemos observar que ainda é muito cedo para criar qualquer tipo de expectativa ou conclusões fantasiosas. Na nossa opinião, o mais provável, cientificamente falando, em uma hipótese razoável nos estudos mais atuais, é que essas pegadas sejam de pessoas do mesmo clã com pés concentricamente iguais e que foram andando por aquela trilha de pegadas por diferentes gerações.

 

                 Fato é que, até esse momento, nossas equipes ainda não conseguiram provar essa familiaridade das pegadas. Precisaremos aprofundar os estudos de Morfometria, que serão muito importantes nos próximos anos não só para sabermos do que se trata esse enigma, mas também para decifrarmos como ocorreu a migração precoce de certos hominídeos antes do esperado, seu comportamento paleossocial no que se refere a outras espécies e suas relações com o ambiente. Por enquanto, essa lacuna científica continua um mistério...