O SAQUE DE ROMA
PRODITIO ANGELI TENEBRARUM

410 d. C.
— Ah, minha Roma!
Naquele dia, a nossa Caput Mundi estava muito bonita e agitada, como sempre. Roma era um turbilhão, mesmo em épocas não tão vistosas como antes. Saudosos dias aqueles! Glórias e riquezas! Mas espere: é bom lembrar que nosso império, apesar das crises, ainda era o mais virtuoso e poderoso de todos os impérios conhecidos e estava apenas dividido entre os nossos dois boníssimos imperadores: Flavius Arcadius Augustus governava da cidade de Constantinopla e Caesar Flavius Honorius Augustus, de Ravena.
— Ah, Roma! Mesmo “abandonada”, ainda suspirava amor e medo.
Sim, medo! Isso porque as notícias não eram boas. Diziam que Alarico, o tal rei dos visigodos, estava se aproximando dos muros de nossa Urbs Aeterna. Tudo parecia normal, mas havia certa preocupação no ar. No palácio imperial, os hóspedes estavam agitados, assim como os escravos e serviçais. Aelia era a mais agitada. Sei disso pois era eu, Alrelialdo, o seu protetor transcendental. Suas irmãs gêmeas, Aemilia e Caelia, nem estavam tão inquietas assim. Tanto é verdade que o protetor da primeira, chamado Ponticurnos, encontrava-se descansando e o protetor da segunda, Savianius, lendo um livro. Apenas eu permanecia ouvindo os pensamentos aflitivos de minha protegida, tentando acalmá-la. Mas eu entendia sua angústia: Aelia era a escrava mais querida, com verdadeiro status de liberta, de Galla Placídia.
— Ah, nossa Nobilissima Puella.
Cuido de Aelia desde antes de seu nascimento. A menina nasceu em uma família que há muito servia como escrava nas casas dos patrícios de Roma. Escravidão antiga, fruto de prisão de guerra, ainda da época republicana durante a conquista da Gália. Dizem que a avó de Aelia, Amelia, uma gaulesa forte e esbelta, foi a primeira a servir dentro dos palácios. Depois dela sua mãe, Adelia, outra gaulesa robusta, serviu por toda a vida a nossa imperatriz Élia Galla, esposa do imperador Teodósio I. Desse modo, essas pioneiras começaram a ser tratadas como libertas dentro do palácio, cuidando, por assim dizer, de todos os afazeres do lar. Portanto, as descendentes Aelia e suas irmãs gêmeas Aemilia e Caelia continuaram a sina da família: eram escravas, mas tinham status de libertas. Aelia lidava diretamente com Galla Placídia e suas irmãs cuidavam das variadas tarefas e dos assuntos domésticos. Galla e Aelia eram de fato até amigas e confidentes.
— Ah, e eu ouvia todas as sórdidas histórias, claro!
Nesta altura da narrativa, você deve me perguntar: e o anjo protetor de Galla? Sim, ele existia. Era um tal de Eliut não sei de quê! Nossa, esse nem falava conosco, tamanha sua arrogância. Mesmo anjo se achava melhor do que os outros anjos, só porque foi escolhido pela providência divina para proteger a nobilíssima. Verdade é que, naquele dia da conquista, manhã de 410 d.C., estávamos cautelosos. Placídia descansava no quarto. As meninas cativas, depois de trocarem suas roupas e utensílios entre si, brincadeira que faziam com frequência, adormeceram. Eu estava confabulando com os amigos anjos. Até que vimos o tal do Eliut voar desesperado pela nossa frente. Gritos dentro e fora do palácio. Os visigodos tinham chegado na cidade.
— Ah, foi um grande tumulto!
Pois bem! Nesse momento, a maioria dos palacianos correu para o calabouço e se escondeu. Chegamos lá junto de toda a aristocracia romana e dos patrícios. Caelia e Savianius não estavam conosco. Naquela hora, não entendemos o que aconteceu com eles. Certo é que eu tentava de todas as formas acalmar minha menina, mas o barulho que os saqueadores faziam era cada vez maior. Eles estavam chegando perto de onde estávamos. A pilhagem foi grande e a matança, igual. Os escravos foram os primeiros sacrificados.
— Ah, Aelia morreu degolada ao meu lado!
No mesmo instante, uma nova missão me foi confidenciada pelas autoridades divinas: eu estava encarregado de levá-la até as portas celestiais. Era o máximo que eu podia fazer diante das ordenações que faziam parte de minha nobre hierarquia. Assim, quando saímos do palácio, de mãos dadas voando em direção ao lar astral, percebemos diversas outras duplas de anjos e seus protegidos ascendendo em direção ao lar dos invisíveis. Nesse momento, choramos, e Roma chorou por cima.
— Ah, minha pobre cidade saqueada e destruída.
Antes de ultrapassarmos as nuvens mais densas, vimos o cortejo de Alarico. Seus guerreiros visigodos marchando pela Via Flaminia em direção ao Norte. Estavam alegres e festivos. Era uma grande comitiva com vários cavalos, carroças, plaustros, liteiras e... mas espere! Havia algo lá: em uma das liteiras estava Galla, sequestrada, deitada em silêncio. Logo ao seu lado, assustada e com a cabeça sangrando, estava Caelia (vestida com as roupas da irmã) e o maldito Savianius, que, planando ao seu lado, sorria de forma imoral e descarada. Ele tinha planejado tudo!
— Ah, traição do anjo das trevas!
Caelia sobreviveu por mais alguns anos até descobrirem toda a farsa, um pouco antes do casamento de Galla com Ataulfo, o novo rei dos visigodos, em 414 d.C. A escrava farsante, por fim, foi sacrificada (enforcada, digo) durante a festa da noite de núpcias.
TEMPO HISTÓRICO: IDADE MÉDIA
ESPAÇO GEOGRÁFICO: ROMA
DATA DE PUBLICAÇÃO: 28/09/2025
AUTOR: FABIO GOHMEIZ
REVISÃO: CIAENTRELINHAS
ILUSTRAÇÃO: WIX / COPILOT
